Hoje, como qualquer dia típico, acordei ciente de minha primeira atividade de todos os dias: Desligar o alarme do despertador de meu smartphone. Naturalmente, já percebo avisos de dois e-mail’s no Hotmail, um no Gmail, todos prováveis spam’s, e uma chamada não-atendida. Chamada não-atendida? E lá vou eu averiguar quem havia me ligado durante a madrugada, às três e pouco da matina. O primeiro choque do dia: Número desconhecido! Um mix de inconformismo, desconfiança e paranóia sempre me leva a discar para o número desconhecido, na leda esperança de que aquele número esteja salvo na memória e, assim, o mistério seja resolvido. Mas como já era de se esperar, não estava salvo nem na memória do smartphone, nem em minha memória, nem em memória alguma!
A irrelevância de algumas informações puseram-se à vã tentativa de abrandar minha curiosidade. O prefixo discado indicava a mesma localidade onde eu me encontrava. Os primeiros dígitos do número discado evidenciava a operadora, coincidentemente a mesma que a minha. O caso é: Mas e daí? Nada disso esclarecia bulhufas! E diante desse tipo de ocasião que minha mente começa a fervilhar em pensamentos dos mais diversos possível! Bastava uma fagulha e o estar desperto!
“Alguém pode ter morrido!”. Como desgraça pouca é bobagem, e notícia ruim geralmente vem em momentos inoportunos, esta primeira probabilidade me pareceu um tanto sensata. Numa madrugada de quarta-feira… Não recordo de qualquer aniversário, despedida de solteiro, feriado ou qualquer situação de celebração, motivo para estender a noite de terça e varar a madrugada da quarta, portanto, as chances de algum amigo ter espatifado o carro num poste ou capotado diversas vezes na Paralela, tornavam-se minoritárias nesse concurso. Quiçá, então, algum parente – e se o for, que seja algum detestável e que esteja merecendo o próprio inferno! – que estivesse internado num hospital, sendo observado em alguma UTI, ou acamado em algum leito particular… Mas não. Não havia notícia de ninguém da minha família em qualquer hospital, nestes últimos meses. Situação descartada! Um desfecho para o mistério que me perturbava se mostrava cada vez mais próximo, pelo cerco que eu montava.
Fugindo um pouco do mérito da tragédia, passei a investigar a possibilidade de uma ligação-surpresa. Ainda que enquadrada dentro do cenário da surpresa, um amigo não iria me ligar às três e pouco da madruga, apenas para papear, dar bom dia ou coisa parecida. Poderia, então, ser uma mulher… Que tal alguma ex-namorada, saudosa e imersa em nostalgias românticas… Esta possibilidade, ainda que remota, mostrava-se possível, ainda mais quando se tem em registro a experiência antiga de eventos similares. Quem sabe aquele grande amor, um dia a mulher de minha vida (que acabou não sendo da minha, mas sim da de outro), que encontrou o meu número naquela antiga agenda, ou naquele velho caderno, ou esqueceu de deletar do cartão SIM, e ao re-encontrá-lo, passou a reviver as lembranças de um passado já remoto, que talhou sua alma de momentos ditos perfeitos, em que o amor era palavra séria e honesta, e felicidade emanava do peito para os demais órgãos, num piscar de olhos, num silêncio desconcertante, ou na delícia de um beijo carinhoso, demorado, em que a alma poderia descansar em paz, sempre, pra sempre… E decidiu ligar naquela hora, no meio da madrugada, movida por alguma impulsividade insana de querer ouvir minha voz e dizer tudo o que não havia dito, ainda que tudo parecesse já ter sido dito, mas… Mas como não houve uma resposta imediata, desistiu de insistir da sequência de toques de chamada, e desligou… Não. Não poderia ser ela. Ela se casou, teve filhinha, vive a vida conjugal que pediu a Deus (imagino..), e não teria motivos para lembrar da minha existência, e acaso lembrasse, teria buscado um número de telefone que abandonei há anos, e meu novo número ela não possui. Às três da manhã ela não investigaria amigos e amigas em comum, atrás de meu número atual. Isso é coisa de filme romântico e nunca aconteceria comigo na vida real. Muito esforço por/para mim? Só minha mãe, ao me parir. Consideração patética esta. E mais: Ela me escreveria um e-mail. A depender do meu comportamento em resposta, ela me ligaria. Mas não me ligaria assim, diretamente… “A vida não é um filme, você não entendeu?” (Paralamas do Sucesso). Próxima!
A espetacular personal trainer da vizinha-gorda-velha. Sempre que vou fazer minha uma-hora de corrida e elas estão lá, a personal sempre me recebe com um “bom dia! tudo bom?”, acompanhado de um sorriso que é um sonho à parte. Aquele sorriso não podia ser apenas do seu jeito simpático… Ela deve ter perguntado sobre mim para Reinaldo, um dos porteiros daqui do prédio, e ainda descobriu o número de meu celular através dele, deve ter feito ainda um levantamento de meu perfil, através de uma simples busca no Facebook, e decidiu me surpreender numa madrugada de quarta-feira. Não, impossível. Sempre que sonhei acordado, em meio à minha corrida na esteira da academia do meu prédio, fui trazido à realidade ao perceber aquela imensa e brilhante aliança em seu dedo anelar da mão direita. Então sim, garota simpática ela. Não viaja, cara!
Bem, ontem à noite fiz uma reclamação na página oficial da Halls, no Facebook, queixando-me a respeito do trabalho que estava sendo (literalmente) descascar o papel da bala! Em menos de meia-hora, responderam-me exatamente assim: “nós gostaríamos de conversar com você para entendermos melhor o que aconteceu, tudo bem?! Pode nos informar seu telefone de contato por mensagem privada?(basta clicar na opção ‘mensagem’ abaixo da foto de capa da fan Page)“. Bem, eu mandei o número de meu celular. Mas duvido, DUVIDO, du-vi-dê-ó-dó, que eles tenham me ligado em meio à madrugada para que eu prestasse algum esclarecimento. E se por um acaso do destino, tenham realmente sido eles, nunca mais compro um Halls na vida! Melhor descartar também essa possibilidade.
Para que ficar apertando meu pobre juízo, já maltratado por tantas possibilidades, possíveis ou não, na tentativa de descobrir quem havia me ligado àquela hora da madrugada? Que tal, simplesmente, retornar a ligação e resolver o mistério? Chegamos, finalmente, ao “W” da questão (porque o “X” já está manjado demais!): Outro dia travei uma saudável discussão sobre meu pensamento que repousou sobre as palavras de um primo meu. “(…) o impossível acontece”. Relutei chatamente que, se é impossível, não acontece de jeito nenhum! Acaso viesse a acontecer, é porque é possível e apenas ainda não havia acontecido… mas se impossível fosse, não tinha jeito: não aconteceria jamais (por ser impossível)! Da mesma forma, sempre “bati o martelo” naquele pensamento de que, se tudo fosse perfeito, seria perfeito e ponto final! Essa história de que não teria graça, de que tudo se tornaria chato, e et cetera et al, sempre disse ser papo de quem não consegue aceitar aquilo que não conhece e nem conseguirá conhecer e, portanto, vai negar a perfeição dos fatos. Se é perfeito, então perfeito é, ora bolas!
E foi exatamente por isso que não liguei de volta para aquele número desconhecido. Por conta do mistério! Assim que eu ligasse e descobrisse, não haveria mais mistério algum. E a simples existência do mistério moveu um “mundo” inteiro! Por conta dele, fui levado a pensar em amigos acidentados, parentes mortos, paixão antiga melancólica, a simpática personal trainer, a vizinha-gorda-velha, o RH da Halls… Todo mundo envolvido no mundo fantasioso da minha cabeça! Viagem gratuita, ida e volta! E assim, essa minha mente às vezes patética, às vezes paranóica, vai trabalhando e moldando situações fantasiosas que recheiam meu angustiado consciente.
Pois bem! Não descobriria a quem pertence aquele número, tinha algumas possibilidades (absurdas ou não) a serem consideradas, mas me permito logo à realidade dos fatos: Estava quase entrando no limite permitido para que eu pudesse chegar à tempo no trabalho. E por este exato motivo, decidi pôr os pés no chão, em ambos os sentidos, e determinar finalmente que aquela ligação, no meio da madrugada desta quarta-feira, foi um mero engano. E assim, sigo o meu dia, meu dia-a-dia, considerando sonho como sonho, realidade como realidade, fantasia como fantasia, tudo em seu devido lugar, no caos que é a própria vida.